Compreensão, Sabedoria e Ciência; Prudência e Arte

“O próprio intelecto, no que tange às suas operações, é aperfeiçoado pelas cinco virtudes intelectuais, três teóricas e duas práticas. A compreensão é o captar intuitivo dos princípios primeiros. (Por exemplo, em declarações contraditórias, uma deve ser verdadeira e a outra, falsa). A ciência é o conhecimento das causas mais prováveis (física, matemática, economia, etc.). A sabedoria é o conhecimento das causas fundamentais – a metafísica na ordem natural, a teologia da ordem supernatural. A prudência é o raciocínio reto concernente às ações. A arte é o raciocínio reto concernente à produção” (JOSEPH, Miriam. O Trivium: as artes liberais da Lógica, Gramática e Retórica.Realizações Editora, São Paulo: SP, 2011, p. 30)

A ciência da virtude

A virtude para Sócrates não era uma lista de obrigações, ao modo estóico, mas a busca de atos bons e racionais, para o êxito da vida prática. Contudo, Sócrates não era um utilitarista, pois buscava aquilo que era útil e racional, e a racionalidade coincide com o autoconhecimento (o conhecimento filosófico da natureza humana) segundo o ideal do “Conhece-te a ti mesmo”. A racionalidade do ato bom aperfeiçoa aquele que o pratica. Nesse sentido, um ato bom é um fim em si mesmo e não apenas como um meio para outra finalidade.

A ética socrática possui uma religiosidade indissociável à sua moral. Ele permanecia imóvel por horas em busca da verdade sobre si. Depois, veremos Platão transformar a ideia do bem moral fazendo-a coincidir com o Bem transcendente, Deus.

da Encíclica AETERNI PATRIS

20. (…)

E agora, Veneráveis Irmãos, podemos repetir as palavras com que Sixto V, Nosso Predecessor, explica com extensão a origem, o caráter e a excelência da doutrina escolástica: “Pela divina munificência d’Aquele que é o único a dar o espírito de ciência, de sabedoria e, de, inteligência, e que no decurso dos séculos, e segundo as necessidades, não cessa de enriquecer a sua Igreja com novos benefícios, de provê-la de novas e seguras defesa, nossos antecessores, homens de profunda ciência, inventaram a teologia escolástica. Principalmente, porém, dois gloriosos doutores, o Angélico São Tomás e o Seráfico São Boaventura, ambos professores ilustres nesta faculdade, são os que, com seu incomparável talento, com seu assíduo zelo, com seus trabalhos e vigílias, cultivaram esta ciência, enriquecendo-a e transmitindo-a a seus descendentes, disposta em uma ordem perfeita e explicada de muitos modos. E certamente o conhecimento de uma ciência tão saudável que dimana do fecundíssimo manancial das Escrituras, dos Sumos Pontífices, dos Santos: Padres e dos Concílios, tem sido em todos os tempos de grande, vantagem para a Igreja, já para a boa inteligência e verdadeira interpretação das Escrituras, já para ler e explicar os Padres com mais segurança e utilidade, já para desmarcarar os variados erros e as heresias. Nesses últimos tempos, porém, que nos têm trazido os dias profetizados pelo Apóstolo, em que os homens blasfemos, orgulhosos, sedutores, fazem progresso no mal, errando eles e induzindo os outros ao erro, certamente que, para confirmar os dogmas da fé católica e refutar as heresias, é mais que nunca necessária a ciência de que tratamos” (Bulla Triumphantis, 1588) .

(…).”Aquela coerência tão estreita e perfeita dos efeitos e das causas, aquela ordem e simetria semelhante às de um exército em campanha, aquelas luminosas definições e distinções, aquela solidez de argumentação e sutileza de controvérsia, coisas todas por meio das quais se separa a luz das trevas, se distingue o verdadeiro do falso e as mentiras da heresia, despojadas do prestígio e das ficções que as rodeiam, aparecem a descoberto”

TERCEIRA PARTE

SÃO TOMÁS DE AQUINO CONCILIOU COM MÁXIMA PERFEIÇÃO RAZÃO E FÉ

21 – Porém, entre todos os doutores escolásticos, brilha, como astro fulgurante, e como príncipe e mestre de todos, Tomás de Aquino, o qual, como observa o Cardeal Caetano, “por ter venerado profundamente os santos doutores que o precederam, herdou, de certo modo, a inteligência de todos” (S. T. II II, 148, 4) .

(…)

23. (…). É sabido que quase todos os fundadores e legisladores das Ordens Religiosas têm imposto a seus companheiros o estudo da doutrina de São Tomás e a cingirem-se a ela religiosamente, dispondo que a nenhum dele!s seja lícito separar-se impunimente, ainda em coisas pequenas, das pegadas deste grande homem. Para não falarmos da família de São Domingos, que se gloria do direito próprio de o ter por mestre, os Beneditinos, os Carmelitas, os Augustinianos, a Companhia de Jesus e muitas outras Ordens estão obrigadas a esta lei, como atestam os respectivos estatutos.

34. (…) Nisto sigamos também os conselhos do Doutor Angélico que nunca se entregava ao estudo e ao trabalho sem que antes tivesse recorrido a Deus por meio da oração, e que ingenuamente confessava que, quanto sabia, o devia, não tanto a seu estudo e trabalho, como ao auxílio divino.

O que é a “reta razão”?

Como conclui Maritain[1](MARITAIN, Jacques. Elementos de Filosofia I: introdução geral à filosofia. Traduzido por Ilza das Neves e Heloísa de Oliveira Penteado. 18. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1998),

A Filosofia é o conhecimento científico que pela luz natural da razão considera as causas primeiras ou as razões mais elevadas das coisas; ou ainda: o conhecimento científico das coisas pelas primeiras causas, na medida em que estas se referem à ordem natural.

A filosofia de Tomás de Aquino é também conhecida como filosofia do senso comum, pois senso comum

compreende, porém, um núcleo sólido de certezas verdadeiras, em que o filósofo discerne, em primeiro lugar, dados de evidência sensível (por exemplo: os corpos são extensos em comprimento, largura e altura), em segundo lugar, princípios inteligíveis evidentes por si mesmo (como por exemplo, “o todo é maior do que a parte”, “tudo o que acontece tem uma causa”, etc.), em terceiro lugar, conseqüências imediatamente tiradas desses mesmos princípios (conclusões próximas). Essas certezas que brotam espontaneamente em nosso espírito, desde que usemos de nossa razão, sua obra da natureza em nós, o que podemos; pois, denominar um dote de natureza, e dizer que dependem da apreciação natural, ou do consentimento, do instinto, do senso natural da inteligência. Uma vez que derivam da própria natureza do homem, devem encontrar-se em todos os homens, ou melhor, serem comuns a todos os homens. (MARITAIN, 1998, p. 85, grifo do autor).

 

Na encíclica Fides et Ratio, o papa João Paulo II (2004, p. 9, grifo do autor) fala sobre o senso comum.

É como se nos encontrássemos perante uma filosofia implícita, em virtude da qual cada um sente que possui estes princípios, embora de forma genérica e não refletida. Estes conhecimentos, precisamente porque partilhados em certa medida por todos, deveriam constituir uma espécie de ponto de referência para as diversas escolas filosóficas. Quando a razão consegue intuir e formular os princípios primeiros e universais do ser, e deles deduzir correta e coerentemente conclusões de ordem lógica e deontológica, então pode-se considerar uma razão reta, ou, como era chamada pelos antigos, orthòs logos, recta ratio.

 

 


[1] Filósofo francês que repropõe o tomismo para resolver problemas atuais. A filosofia de Jacques Maritain (1882-1973) é um “tomismo aberto e progressivo”. (CAMPOS, 1989, p. 94). É um dos mais conhecidos filósofos da contemporaneidade, e trata de assuntos muito diversos, como pedagogia, arte, política, e outros, dentro da perspectiva realista.

 

Capacidade de abstração

“A inteligência, de fato, não se limita ao domínio dos fenômenos; embora, em consequência do pecado, esteja parcialmente obscurecida e debilitada, ela é capaz de atingir com certeza[1] a realidade inteligível” (Gaudium et Spes, 15).


[1] “Certeza” parece se referir mais a aquela “adesão firme e sem temor a uma verdade” (FILHO, Ives Gandra Martins. Manual Esquemático de Filosofia. 3. ed. São Paulo: SP. ed. LTr, 2006, p. 64, grifo do autor), que não é a verdade em si, mas um estado subjetivo de convencimento. Por isso, o trabalho da razão consiste também em revisar as próprias certezas, a fim de as confirmar e aperfeiçoar.