O Matrimônio, instituição natural. Pressupostos ideológicos

Referência: FERNÁNDEZ, Aurelio. Teología moral: curso fundamental de la moral Católica. Ed. Palabra. 4ª ed. Madrid, 2010. p. 320-323. Minha tradução.

a) Doutrinas insuficientes

Se trata de saber quais são os equívocos doutrinais que desorientam e impossibilitam ter um juízo real do matrimônio.

Aqui expomos somente um erro de fundo, do qual derivam outro cúmulo de erros mais imediatos. É preciso advetir que este erro não afeta somente ao matrimônio, senão a outras realidades da existência humana. Descobri-lo é situar-se em vias de superá-lo, pois, como também escreveu Aristóteles, ‘um erro pequeno no princípio leva ao fim a graves consequências’. Cabe, pois, perguntar: existe um erro de princípio?

Sim. Este ‘erro pequeno’ consiste numa mudança profunda no conceito de verdade. Desde o racionalismo, se valoriza mais o ‘pensar’ que o ‘conhecer’; pois, interessa mais o que ‘eu penso’ sobre algo que o ‘conhecer o que é a realidade’. Diante de tal posicionamento, a ‘opinião’ é mais importante que a ‘verdade’, o que conduz a um subjetivismo: não existe o real, senão o que eu penso e e o que eu imagino.

Esta orientação intelectual referida ao matrimônio leva ao que, mais que o matrimônio em si mesmo, interessa o que ‘se pensa’ sobre isso, com o que a instituição matrimonial se submete ao arbítrio do pensar de cada sujeito.

Deste ‘erro pequeno no princípio’ derivam outros erros mais imediatos. Por exemplo, de que o matrimônio não é uma instituição natural, mas cultural, pois depende das ideias de cada época. Não se trata de afirmar que modos concretos de modos concretos de levar ao cabo o matrimônio estejam condicionados por costumes (modo de contrair matrimônio, ritos de administração, etc.), o que é evidente, mas se afirma que a mesma instituição matrimonial é de origem e realização histórica, portanto, é mutável.

Outro erro derivado é pensar que o matrimônio é um compromisso social que requer certa estabilidade por que se anota no registro civil, mas fica ao arbítrio das partes que participam. Daí o requerimento de que esse compromisso se possa romper pelo mútuo compromisso dos esposos ou, inclusive, somente por uma das partes.

Nesta linha dos subjetivismos, alguns pensam que essa ‘papelada’ é inútil e inclusive se acusa disso ser uma rotina, um resto da sociedade farisaica, pelo que não faz falta recorrer ao reconhecimento civil, mas que é suficiente a mútua vontade de conviver dos cônjuges. Supõe-se que tampouco esta vontade é definitiva, mas que se pode rescindir a qualquer momento.

No plano inclinado do ‘eu penso’, pensam alguns que o matrimônio não é a convivência homem-mulher, mas que basta falar ‘casal’. Mas o conceito de ‘casal’ não supõe necessariamente que seja homem e mulher, mas que podem formá-lo dois homens ou duas mulheres.

No final desse processo se dá que a imagem de um homem e de uma mulher, de constituição somática distinta e complementária que, além da interação sexual, traz junto a atração afetiva, se converte em convivência mais ou menos estável de um casal de sexo distinto ou homossexuais que compartilham o mesmo leito, dado que tampouco se exigiria a convivência na mesma casa.

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b) Corrupção dos costumes

Outra das causas que desvirtuam a natureza do matrimônio não tem origem nas ideias, mas na vida, ou melhor, na ‘má vida’.

Com efeito, é evidente a íntima relação que existe entre a razão e a vida; entre o pensamento e a própria existência. O dito popular o formula assim: ‘Quando não se vive como se pensa, se acaba pensando como se vive’. E a causa é dupla. Primeira, por que é algo inerente ao ser humano tratar de justificar com razões o estilo de vida que leva. Segunda, porquê a conduta desregrada impede a razão  de descobrir a verdade. Santo Tomás afirma:

A pureza é necessária para que a mente se aplique a Deus. A mente humana, com efeito, se contamina ao imergir-se nas coisas inferiores, igual a qualquer coisa si infecta ou se mescla com algo mais baixo, como a prata com o chumbo. É preciso que a mente se desapegue das coisas inferiores para unir-se à Suprema realidade. A mente, se não está pura, não pode aplicar-se a Deus (Sum. Teol. II-II, q. 81, a. 8).

Esta doutrina do Aquinate faz referência não só à vida sobrenatural, mas também à todas expressões da vida espiritual, especialmente à inteligência humana. Com efeito, o exercício intelectual do ser espiritual, que é a pessoa humana, se corrompe quando os costumes não são corretos.

Já os gregos distinguiam como duas enfermidades a que está submetida a razão: a “loucura”, quando a pessoa confunde as realidades físicas. Por exemplo, uma pessoa que acredita ser “Napoleão” ou que vê sinais de perseguição diante de mostras de carinho. Já a “corrupção da razão”, que tem lugar não quando a pessoa confunde o mundo físico, mas a realidade dos valores. Por exemplo, quando ao “bem” se denomina “mal” e ao “mal” se chama de “bem”. Assim, por exemplo, se alguém defende que é melhor fazer o mal do que fazer o bem, corrompeu o primeiro princípio da ética: ‘bonum faciendum, malum vitandum”. Mas, sem chegar a esse extremo, em relação ao matrimônio, se dá a “corrupção da razão” se se afirma que é melhor a promiscuidade sexual do que a relação homem-mulher ou que é preferível o amor livre à união estável, ou que a “família tradicional” deve postergar-se diante das uniões de fato e homossexuais e etc.

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